quarta-feira, 15 de abril de 2009

De-votos

Ex-votos são visões de corpos duros, retalhados sem dor.

São peças de um quebra-cabeça santo, partes de um corpo que, ao ser entregues na Casa de orações, nos deixam de pertencer e que mesmo assim ainda nos pertencem.

São como o par de luvas que despimos: portadoras aparentemente ocas dos membros ausentes, guardiãs de mémorias de pele, forma e calor.

Pede-se pela perna, enquanto que se oferta a mesma perna – entalhada na madeira pela faca. Se entrega anonimamente o seio, o dorso, a mão, o pé e mil vezes o coração arrebentado.

Ex-votos são mil, são cem mil, são cada vez mais ex-votos, não cabem numa sala só.

Aglomeram-se, se abraçam, se acotovelam. Não doem os ex-votos, dói só o corpo todo e seu desconsolo.

A multidão de ex-votos não marcha, somente espera na poeira, enquanto que os de-votos sobem a ladeira sob a chuva rala.

Texto: Yili

Nenhum comentário:

Postar um comentário